No caos do mau-tempo
O trovão ecoou
Em soberbo sorriso
Com sabor de acalento.
Traição dos sentidos
Seleto visor
Um rosto ao vento
Com gestos precisos.
Se tão pervertivo
Também ri do riso
Que o vento guiou.
O mau-tempo levou
Consigo o semblante
Tão paliativo.
Assis Costa
quinta-feira, 26 de janeiro de 2012
quarta-feira, 18 de janeiro de 2012
12 - Num Pé Só
01 - Eu vi um pé.
Não sei o dono.
Se comprido, se delgado
Se tão curto ou se tão chato.
02 - Eu vi um pé.
Não sei se direito ou esquerdo, mas um pé.
Era um pé sem rastro
E não andava por faltar outro pé.
03 - Eu vi um pé.
Talvez de coelho,
Se quiser de conversa
Mas, do tamanho de um pé.
04 - Eu vi um pé.
Era um pé descalço,
Ou era calçado?
De qualquer jeito era apenas um pé.
05 - Já sei. Eu vi um pé.
E era um pé silenciosos mas afinado
Era um pé-de-ouvido
Vizinho do outro pé, o do cabelo.
06 - Eu vi um pé
Já disse, sem rastro, também sem cheiro
Era quem sabe, um pé em falso
Ou um pé imóvel: o da montanha.
07 - Eu já disse: eu vi um pé.
Em todo lugar ele estava: no quarto, na sala, na cozinha
Em muitos objetos: na cadeira, na mesa, na cama...
Era doce e irrequieto: era-de-moleque.
08 - Eu vi um pé.
Além de muito entrelaçado continha rugas
- De galinha!
Quem dera eu tivesse mão pra pegar no seu pé.
09 - Eu vi um pé encostado na casa:
- O pé-da-porta!
E olhe, se tinha lá um pé
Outro pé existiu cá.
10 - Eu vi sim. Era um pé.
Não cheguei a tocá-lo, mas era um pé-quente.
Quando falei pra uma criança, ela disse:
-Era um Pé-grande!
11 - Eu vi um pé.
Desengonçado. - Era de-cabra?
Ou poderia ser do dono?
Era apenas mais um pé, quem sabe um pé-de-grilo?
12 - Eu vi um pé.
E o outro pé onde estava?
- Já sei. - O outro pé
Era o pé-da-cova.
13 - Juro que eu vi um pé.
Mas onde estava o outro pé?
- Fosse de quem fosse tinha o pé no chão.
-E no outro lado da rua?
14 - Eu juro que vi um pé.
Do outro lado da rua?
Devido a um pé-de-cana
Parece ter pé-de-briga.
15 - Não nego que vi um pé.
Eu estava tão sozinho...
Eu estava ali sentado...
Mas o pé estava de pé.
16 - Eu disse que vi um pé.
Numa noite tão chuvosa!
Se ela só tinha um pé
Certamente era um pé-d'água.
17 - Eu vi um pé.
Mas no dia anterior
Num tal show de Rock and Roll
Encontrei um pé-de-valsa.
18 - E eu que só vi um pé,
No entanto, disse-me um homem
Que ao Banco foi rever
Seu singelo pé-de-meia.
19 - Mas eu só vi mesmo um pé.
Muitos sentem tantas dores:
Pé-do-dente e na barriga
Se tem pé tem confusão.
20 - Eu vi um pé.
Mas com certeza tinha mais
Pois do contrário
Ficaria sem-pé e sem-cabeça.
21 - Com o recurso do humano responda:
Com a pressa do pensamento,
Que pé é capaz de chegar de uma forma mais ligeira?
- Muito bem, respondeu certo, se tão rápido é pé-de-vento.
22 - Eu vi um pé.
Mas se não há condição
Só diga que náo dá pé
Se contudo não quiser aplique-lhe um pontapé.
23 - No contexto eu vi um pé
Era um sutil pé-de-gato
O pior que aconteceu
Foi o tal de pé no saco.
24 - Eu vi um pé,
Caminhava tão sozinho,
Da distância foi medida,
Se na água é pé-de-pato.
25 - Eu vi um pé.
Mas quando raiou o sol
Já mudei a tradição
Troquei o pé pela mão.
26 - Eu vi um pé que mancava
Reclamava de uma dor
Era um tal pé-de-atleta
Protestando do calor.
27 - Eu vi, era mesmo um pé
Não mudei os denotados
Respeitei ao pé da letra
Os dizeres procriados.
28 - Repito, só vi um pé.
Neste mundo de hipocritas
Vale a pena dar no pé
Pois se você bobear te pegam no contra-pé.
29 - É claro que eu vi um pé.
Comunguei na sacristia já fugindo do pecado
Pois se encontro outro pé frio
Ai meu Deus, estou ferrado!
30 - Sei tudo que eu vi no pé:
Tinha dedos, tinha calor,
Mas o gol tão desejado
O pé-mucho tem falhado.
31 - Eu vi um pé
Sem engano bem sambado,
Quem é sábio põe na forma
Conhecido peé quadrado.
32 - Eu só encontrei um pé.
Se você encontrar outro,
Rotule-o.
Dê um nome pro seu pé.
Assis Costa
Não sei o dono.
Se comprido, se delgado
Se tão curto ou se tão chato.
02 - Eu vi um pé.
Não sei se direito ou esquerdo, mas um pé.
Era um pé sem rastro
E não andava por faltar outro pé.
03 - Eu vi um pé.
Talvez de coelho,
Se quiser de conversa
Mas, do tamanho de um pé.
04 - Eu vi um pé.
Era um pé descalço,
Ou era calçado?
De qualquer jeito era apenas um pé.
05 - Já sei. Eu vi um pé.
E era um pé silenciosos mas afinado
Era um pé-de-ouvido
Vizinho do outro pé, o do cabelo.
06 - Eu vi um pé
Já disse, sem rastro, também sem cheiro
Era quem sabe, um pé em falso
Ou um pé imóvel: o da montanha.
07 - Eu já disse: eu vi um pé.
Em todo lugar ele estava: no quarto, na sala, na cozinha
Em muitos objetos: na cadeira, na mesa, na cama...
Era doce e irrequieto: era-de-moleque.
08 - Eu vi um pé.
Além de muito entrelaçado continha rugas
- De galinha!
Quem dera eu tivesse mão pra pegar no seu pé.
09 - Eu vi um pé encostado na casa:
- O pé-da-porta!
E olhe, se tinha lá um pé
Outro pé existiu cá.
10 - Eu vi sim. Era um pé.
Não cheguei a tocá-lo, mas era um pé-quente.
Quando falei pra uma criança, ela disse:
-Era um Pé-grande!
11 - Eu vi um pé.
Desengonçado. - Era de-cabra?
Ou poderia ser do dono?
Era apenas mais um pé, quem sabe um pé-de-grilo?
12 - Eu vi um pé.
E o outro pé onde estava?
- Já sei. - O outro pé
Era o pé-da-cova.
13 - Juro que eu vi um pé.
Mas onde estava o outro pé?
- Fosse de quem fosse tinha o pé no chão.
-E no outro lado da rua?
14 - Eu juro que vi um pé.
Do outro lado da rua?
Devido a um pé-de-cana
Parece ter pé-de-briga.
15 - Não nego que vi um pé.
Eu estava tão sozinho...
Eu estava ali sentado...
Mas o pé estava de pé.
16 - Eu disse que vi um pé.
Numa noite tão chuvosa!
Se ela só tinha um pé
Certamente era um pé-d'água.
17 - Eu vi um pé.
Mas no dia anterior
Num tal show de Rock and Roll
Encontrei um pé-de-valsa.
18 - E eu que só vi um pé,
No entanto, disse-me um homem
Que ao Banco foi rever
Seu singelo pé-de-meia.
19 - Mas eu só vi mesmo um pé.
Muitos sentem tantas dores:
Pé-do-dente e na barriga
Se tem pé tem confusão.
20 - Eu vi um pé.
Mas com certeza tinha mais
Pois do contrário
Ficaria sem-pé e sem-cabeça.
21 - Com o recurso do humano responda:
Com a pressa do pensamento,
Que pé é capaz de chegar de uma forma mais ligeira?
- Muito bem, respondeu certo, se tão rápido é pé-de-vento.
22 - Eu vi um pé.
Mas se não há condição
Só diga que náo dá pé
Se contudo não quiser aplique-lhe um pontapé.
23 - No contexto eu vi um pé
Era um sutil pé-de-gato
O pior que aconteceu
Foi o tal de pé no saco.
24 - Eu vi um pé,
Caminhava tão sozinho,
Da distância foi medida,
Se na água é pé-de-pato.
25 - Eu vi um pé.
Mas quando raiou o sol
Já mudei a tradição
Troquei o pé pela mão.
26 - Eu vi um pé que mancava
Reclamava de uma dor
Era um tal pé-de-atleta
Protestando do calor.
27 - Eu vi, era mesmo um pé
Não mudei os denotados
Respeitei ao pé da letra
Os dizeres procriados.
28 - Repito, só vi um pé.
Neste mundo de hipocritas
Vale a pena dar no pé
Pois se você bobear te pegam no contra-pé.
29 - É claro que eu vi um pé.
Comunguei na sacristia já fugindo do pecado
Pois se encontro outro pé frio
Ai meu Deus, estou ferrado!
30 - Sei tudo que eu vi no pé:
Tinha dedos, tinha calor,
Mas o gol tão desejado
O pé-mucho tem falhado.
31 - Eu vi um pé
Sem engano bem sambado,
Quem é sábio põe na forma
Conhecido peé quadrado.
32 - Eu só encontrei um pé.
Se você encontrar outro,
Rotule-o.
Dê um nome pro seu pé.
Assis Costa
domingo, 15 de janeiro de 2012
11 - Síncope Brasileira
Ói o aio!
De pedinte santuário...
Rua nova!
Cada beco - nova cova!
Semanário? - Qual, diário!
Todo ano...
Ói o aio!
Tom mundano...
Passaporte secundário...
Ói o aio!
Cada letra um som profano.
O Brasil do desengano...
Campanário...
Síncope da fome e do sem salário.
Assis Costa
De pedinte santuário...
Rua nova!
Cada beco - nova cova!
Semanário? - Qual, diário!
Todo ano...
Ói o aio!
Tom mundano...
Passaporte secundário...
Ói o aio!
Cada letra um som profano.
O Brasil do desengano...
Campanário...
Síncope da fome e do sem salário.
Assis Costa
10 - És Mentiroso?
Adora problemas,
Atrai o mal,
Infernal,
Seus dilemas?
Amizade teatral
Não sem temas,
Só malenas!...
Novidade em sucursal.
Nos seus lábios... no jornal...
Madalenas!
Ô... Ô... Ô... Sensacional!
Cores mil... Mil Ipanemas...
Bacanal!
Multicores!... Multicenas!...
Assis Costa
domingo, 8 de janeiro de 2012
09 - Aurora sem Hora
A várzea envolta em seus lençóis de prata,
Num tempo atento mas sempre um outono,
Teus sinos que dobram já sem hora exata,
Regras sem regras em tempos de Rei Momo.
Cruzeiros cambalidos sem lugares magistrais,
Delegam sensações seus ares de jasmim,
A serra cor da terra com brilho de cristais
Deslumbram visitantes seus mantos de cetim.
Cativo do teu flerte nos seus olhos vertentes
O lado vivo ao fundo, o cheiro à vista,
A calmaria ao meio-dia, seus sons cadentes,
Tesão dos mil sentidos, divã de analista,
Antologica nos teus causos, pivôs tão salientes,
O berço dos amantes, dos poetas, do ideal vanguardista.
Assis Costa (lembranças do meu berço, Várzea-Alegre)
Num tempo atento mas sempre um outono,
Teus sinos que dobram já sem hora exata,
Regras sem regras em tempos de Rei Momo.
Cruzeiros cambalidos sem lugares magistrais,
Delegam sensações seus ares de jasmim,
A serra cor da terra com brilho de cristais
Deslumbram visitantes seus mantos de cetim.
Cativo do teu flerte nos seus olhos vertentes
O lado vivo ao fundo, o cheiro à vista,
A calmaria ao meio-dia, seus sons cadentes,
Tesão dos mil sentidos, divã de analista,
Antologica nos teus causos, pivôs tão salientes,
O berço dos amantes, dos poetas, do ideal vanguardista.
Assis Costa (lembranças do meu berço, Várzea-Alegre)
sexta-feira, 6 de janeiro de 2012
08 - Notícias para um Menino Matemático "em raios fúlgidos..."
Trocamos conhecimentos por necessidade
De aprovação - esquecemos o passado malfadado.
Eu, que tentei das letras, você que tentou dos números.
Salvamo-nos da situação. O pior veio depois
Com flêmures, cúbitos e úmeros,
Descobrimos então duas memórias de raridade.
O menino esqueceu a bissetriz, a geratriz,
Vestindo farda e fazendo da pátria insinuante amante-amada.
Contestastes pela forma os Bandeirantes e no teor os bravios do SãoFrancisco,
Em Caxias um asterisco
Campeão menino, campeão senhor, mor-expoente do ser feliz.
Assis Costa
De aprovação - esquecemos o passado malfadado.
Eu, que tentei das letras, você que tentou dos números.
Salvamo-nos da situação. O pior veio depois
Com flêmures, cúbitos e úmeros,
Descobrimos então duas memórias de raridade.
O menino esqueceu a bissetriz, a geratriz,
Vestindo farda e fazendo da pátria insinuante amante-amada.
Contestastes pela forma os Bandeirantes e no teor os bravios do SãoFrancisco,
Em Caxias um asterisco
Campeão menino, campeão senhor, mor-expoente do ser feliz.
Assis Costa
07 - Homilia Satânica
Esse texto não será aceito, portanto, aguarde sua publicação somente em último número
quinta-feira, 5 de janeiro de 2012
06 - Saudade: sacro-idiotismo
Idiota quero ser só pra dizer saudade,
Emoção que sinto já ao ouvir um adeus
Soterrando apelos vãos, sonhos meus!
Escoltando uma atração, não necessariamente uma beldade.
Existe no cimo, mantém-se comum sendo raridade
Não distingue bárbaros... altruístas ou ateus
Menestréis... celibatos... apogeus...
Na insensatez do seu silêncio a liberdade.
Saudade sem idade, flama infinita...
Aspira sempre um ponto ausente, que aproxima,
E com flutuante insistência - meta atingida.
Não vê distância, contraste óbvio da dor que arrima
Um-dois... dois-um... num instante a vida
Mero intervalo pra que o amor não se comprima.
Assis Costa
Emoção que sinto já ao ouvir um adeus
Soterrando apelos vãos, sonhos meus!
Escoltando uma atração, não necessariamente uma beldade.
Existe no cimo, mantém-se comum sendo raridade
Não distingue bárbaros... altruístas ou ateus
Menestréis... celibatos... apogeus...
Na insensatez do seu silêncio a liberdade.
Saudade sem idade, flama infinita...
Aspira sempre um ponto ausente, que aproxima,
E com flutuante insistência - meta atingida.
Não vê distância, contraste óbvio da dor que arrima
Um-dois... dois-um... num instante a vida
Mero intervalo pra que o amor não se comprima.
Assis Costa
quarta-feira, 4 de janeiro de 2012
05 - Sete por Um (conto)
Na nossa casa o dia consagrado aos mortos sempre foi nitidamente fúnebre. Minha mãe selecionava um rosário de parentes que não conheci e um outro do meu tempo. Desalento! Meu pai ouvia... Tia Clara sorria. Sorria pela certeza de que um dia também estaria sendo lembrada, mas, frizava bem que seria lembrada com alegria. Não teriam sido em vão as longas noites que passara em claro. Elas foram a garantia da felicidade eterna, cria. Ora, se um Serafim (anjo da segunda hierarquia divina) já era garantia de uma vaga ao lado de Deus, o que aconteceria a ela que enviara, sem remorsos, o sétimo? Se assim era, certamente conseguiria até algumas vantagens junto ao Senhor, além de serem bem-pesadas as suas férteis e desenvoltas opiniões. - Os sete anjos já enviados, quem sabe, na balança de Deus, valham, pelo menos, um Querubim!
Eu não entendia bem essa estória de Anjos. Por que os meus primos haviam se tornado anjos? Só porque morreram? Ainda bem que a minha mãe não fez-me Serafim! E por que Tia Clara fizera logo sete Serafins e agora queria trocá-los por um só Querubim? Coisas da Tia Clara que só o tempo e com a ajuda do já tão cansado dicionário mesmo que de forma incompreensível e parcial explicou. Dicionário esse emprestado pela professora que mantinha uma enorme e inútil quantidade de livros. Pensava: quanto dinheiro gasto em livros que para nada servem. Dez ou quinze exemplares seriam suficientes. Ninguém é capaz de ler tudo isso! " O Pequeno Principe", que a professora chamava de "Le Petit Prince", que me perdoe mas, que menino chato! ele só pensa! eu prefiro a ação. Como a Tia Clara, ela sim, quis um Serafim e fez logo sete. Só não concordo com a proposta que ela anda fazendo a Deus: sete Serafins por um Querubim. Esse é um péssimo negócio. Eu só troquei o meu bodoque porque foi por dois peões, senão não ocorreria o negócio. Tia Clara entende de tudo, menos de troca!
A primeira imagem mental que tive de um anjo também foi obra de Tia Clara. E foi logo de um Querubim! Durante um carnaval ela ficou os três dias na igreja, rezando e fazendo a penitência do jejum. Só aparecia em casa na hora de dormir. Ela dizia que a igreja considerava o carnaval "coisa do diabo". Contou-me que na noite seguinte ao carnaval, durante um sonho, apareceu-lhe um anjo , todo vestido do branco mais branco, com asas e auréola que parecia aqueles meninos das procissões do padroeiro. Mas no sonho de Tia Clara o Querubim tinha poderes: ele surgia do nada e sumia como que por encanto. Fazia soar uma suave música sem no entanto tocar trombetas. Era um agradecimento de Deus pelas penitências oferecidas, dizia. E ela sempre encerrava essas estórias de aparições de anjos com uma elevação da missa: "salva fui... salva sou... salva serei..."
Muitas visitas ao velho dicionário com características de detetive de romance de mistério: capa preta e coração duro. Suas páginas ensebadas serviram a pelo menos três gerações incluindo a minha. O velho ajudante de alma dura e capa preta não satisfez a minha curiosidade, totalmente. Serafins e Querubins tinham a ver com um escalão sagrado? Resolvi pedir esclarecimentos a Tia Clara, que gentilmente iluminou-me com os seus sábios pormenores. Esses pormenores da Tia Clara surgiam magneticamente, através de ondas. Algo entre o ver e o pensar. Pura poesia!
E contou-me:
- É certo que nos primeiros sete dias de vida, uma criança, que morrendo sem ser alimentada, sem mesmo provar o leite materno, mas sacramentada pelo batismo, tornar-se-á um mensageiro de Deus; um anjo; um Serafim. Serafim é o anjo de segundo escalão na hierarquia divina, mas mesmo assim, já garante o céu a todos os seus mais próximos familiares terrenos.
- E disse mais:
- Bom mesmo é ter um Querubim. Este sim, é o anjo assistente de Deus. Personagem da primeira hierarquia divina. Talvez, o Querubim garanta um lugarzinho no céu até duas ou três gerações. - Por isso o seu interesse em ter um Serafim ou até mesmo um Querubim - se fosse vontade de Deus - no céu.
Tudo explicado! Tia Clara esclareceu em minutos o que aquele dicionário não concluiu em anos. Que praticidade de relato tinha a Tia Clara!
Assis Costa
terça-feira, 3 de janeiro de 2012
04 - Poema Impublicável
Quem sou eu?
Eu sou uma edição precoce e indesejada.
Que caminhos segui? Buscando o nada?
E aportei num chão que nimguém queria,
Consumi um beijo que roubado, um dia
Caí num trovão voraz de intensa rouquidão.
Servi às três Marias em contundente ostentação.
Saí sem dar sinal, gemeu a terra em febre,
Soberba agonia, calor que não se mede,
Clamor, amor, rancor, silêncio de ironia,
Furor do teu silêncio - silêncio em covardia.
O raio que antes luz sumiu, brotando sem água o lodo
Perfume que infesta a ter-me em desacordo.
Nada sobrou, porque nada tive.
Meu pai, soltou-me em brasas num vôo de marquise,
Mamãe esteve em mim quando areias movediças cobriram o céu,
Meu sangue, meus irmãos, produtos de cartel;
Enfim, consumo instável,
Eu, o poema impublicável.
Assis Costa
Eu sou uma edição precoce e indesejada.
Que caminhos segui? Buscando o nada?
E aportei num chão que nimguém queria,
Consumi um beijo que roubado, um dia
Caí num trovão voraz de intensa rouquidão.
Servi às três Marias em contundente ostentação.
Saí sem dar sinal, gemeu a terra em febre,
Soberba agonia, calor que não se mede,
Clamor, amor, rancor, silêncio de ironia,
Furor do teu silêncio - silêncio em covardia.
O raio que antes luz sumiu, brotando sem água o lodo
Perfume que infesta a ter-me em desacordo.
Nada sobrou, porque nada tive.
Meu pai, soltou-me em brasas num vôo de marquise,
Mamãe esteve em mim quando areias movediças cobriram o céu,
Meu sangue, meus irmãos, produtos de cartel;
Enfim, consumo instável,
Eu, o poema impublicável.
Assis Costa
03 - A Duas Águas mas aos Quatro Ventos (conto)
Batentes e soleiras, janelas, portas e mais portas em diferentes dimensões e direções se enfileiravam, pulo a pulo, não havendo a necessidade de controlar-se o tempo...apenas uma contemplação demorada da parede leste da sala de jantar buscando decifrá-lo em algarismos romanos, decorados mas não compreendidos, mesmo assim indeterminado e impotente para nos conter, como aqueles que tomavam parte no velho barco a remar, remar e remar sem detectar ou até idealizar uma referência, uma chegada. O de importante acontecia ao natural: a partida. A navegação, quase sempre tumultuada, dava-se no interior do casarão ou ao relento, mas sob a proteção do velho marinheiro, que jamais foi acariciado pelo cheiro do mar. Se um dia o vento batia forte seguíamos formalidades e apresentávamos o lobby. O Velho Marinheiro estava outra vez pronto a acobertar-nos, sem controvérsia e sem prosódia, mas com o habitual ranso dos seus olhares vulpinos. E encerrado um festim já fazíamos as contas para a próxima solenidade de adoração ou sociabilidade.
O outão do casarão, visível do alto da ladeira de chegada, mostrava e ainda claramente em seu alto-relevo e em cor de destaque o ano de sua construção. Jamais esqueci nos meus estudos básicos, quando requisitado, o ano do final da segunda guerra mundial, politicamente divulgada. O casarão foi construído no ano subsequente. Corríamos naquelas largas calçadas que ladeavam os desenove esconderijos no esconde-esconde da nossa pacata infância. Além desses dispúnhamos ainda do engenho de cheiro adocicado, da casa de armazenagem, da velha casa ao lado do casarão e a casa velha ao lado do casarão e dos dois jardins: um entre o casarão e a casa velha com paredes de pau-a-pique e telhado avermelhado, depois remodelada, e o outro frontal. Num certo período do ano tínhamos o velho sangradouro com seus cardumes obstinados a seguir contrariamente à correnteza e a soltar ovas que são ao mesmo tempo recolhidas, em parte, pelas suas escamas arrepiadas e ao som ofegante de suas guelras entreabertas. Estava garantida a mais nova geração branquial. Era a época da desova. Essa foi a justificativa dada pela sábia Tia Clara.
Por vezes as meninas colocavam à prova os encaminhamentos maternos de culinária e ofereciam um banquete, na cozinha aberta da casa velha, aos heróis de guerra. A pastagem de fundo e o mamoal do monturo, cultivado para garantir o azeite lubrificante para as moendas ressequidas do engenho de cheiro adocicado e puxado a bois, demarcavam a batalha final. As meninas serviam; os meninos contavam suas façanhas. Curioso era um dos guerreiros que sempre ficava num canto, calado, sizudo e tudo observava. Ouvia tudo. E tudo calava. Tia Clara não resistiu ao costumeiro fato e comentou: - Este menino é diferente. Nada tem dessa ingenuidade. Ela é apenas aparente. Se não interfere é para não modificar o natural. Um dia ele dirá isso.
Impressiona-me ainda a sensibilidade de Tia Clara.
Às vezes ocorriam desentendimentos: à questão eram chamados, após teimas e xingações, tios, avós ou até a sexagerária que cuidou de filhos, netos e bisnetos do casarão, e que era respeitada pela sua rigidez nas atitudes. Um ou outro se destacava pelo palavreado obceno, que quando repetido por Tia Clara, o fazia com três leves pancadas nos lábios, ao feitio do cala-te-boca. O decoro do gesto a absolveria das blasfêmias
do outro.
- Palavras claras!
Assis Costa
O outão do casarão, visível do alto da ladeira de chegada, mostrava e ainda claramente em seu alto-relevo e em cor de destaque o ano de sua construção. Jamais esqueci nos meus estudos básicos, quando requisitado, o ano do final da segunda guerra mundial, politicamente divulgada. O casarão foi construído no ano subsequente. Corríamos naquelas largas calçadas que ladeavam os desenove esconderijos no esconde-esconde da nossa pacata infância. Além desses dispúnhamos ainda do engenho de cheiro adocicado, da casa de armazenagem, da velha casa ao lado do casarão e a casa velha ao lado do casarão e dos dois jardins: um entre o casarão e a casa velha com paredes de pau-a-pique e telhado avermelhado, depois remodelada, e o outro frontal. Num certo período do ano tínhamos o velho sangradouro com seus cardumes obstinados a seguir contrariamente à correnteza e a soltar ovas que são ao mesmo tempo recolhidas, em parte, pelas suas escamas arrepiadas e ao som ofegante de suas guelras entreabertas. Estava garantida a mais nova geração branquial. Era a época da desova. Essa foi a justificativa dada pela sábia Tia Clara.
Por vezes as meninas colocavam à prova os encaminhamentos maternos de culinária e ofereciam um banquete, na cozinha aberta da casa velha, aos heróis de guerra. A pastagem de fundo e o mamoal do monturo, cultivado para garantir o azeite lubrificante para as moendas ressequidas do engenho de cheiro adocicado e puxado a bois, demarcavam a batalha final. As meninas serviam; os meninos contavam suas façanhas. Curioso era um dos guerreiros que sempre ficava num canto, calado, sizudo e tudo observava. Ouvia tudo. E tudo calava. Tia Clara não resistiu ao costumeiro fato e comentou: - Este menino é diferente. Nada tem dessa ingenuidade. Ela é apenas aparente. Se não interfere é para não modificar o natural. Um dia ele dirá isso.
Impressiona-me ainda a sensibilidade de Tia Clara.
Às vezes ocorriam desentendimentos: à questão eram chamados, após teimas e xingações, tios, avós ou até a sexagerária que cuidou de filhos, netos e bisnetos do casarão, e que era respeitada pela sua rigidez nas atitudes. Um ou outro se destacava pelo palavreado obceno, que quando repetido por Tia Clara, o fazia com três leves pancadas nos lábios, ao feitio do cala-te-boca. O decoro do gesto a absolveria das blasfêmias
do outro.
- Palavras claras!
Assis Costa
segunda-feira, 2 de janeiro de 2012
02 - Olhos de Tia Clara (conto)
Faces tão branquinhas quanto a albunina que cobre a gema do ovo. A comparação deve-se seguramente ao análogo nome: Clara. Claríssima nas expressões quanto quanto nas atitudes. Humor generoso. Tão generoso ao ponto de apostar a agilidade de um gato e submeter-se à fúria da gravidade num pulo de alguns poucos metros de altura. Pulou. Perdeu. Criança adulta. De serelepe estilo confundia-se entre tantos no jogo de esconde-esconde, cabra-cega, boca-de-forno e por aí afora. Era remédio para os males juvenis mas que tinha seus efeitos colaterais entre os preconizadores dos bons costumes da maturidade. Nesses casos fingia-se surda e míope. Fez-se visagem. De alva-brancura, um lençol que já cobriu defuntos, no breu da noite dispensou assíduos frequentadores que na busca de regosijos esqueciam convensões familiares quanto ao comportamento e horário de retorno ao lar. Uma noite de sonhos em comoção. "- Negue-se no dia seguinte a participação e convença-se a todos do total desconhecimento do fato. Isso dará sustentação aos exageros e fascínios de crédulos". - Palavras claras!
O mundo com seus arranjos e desarranjos, tudo é magnífico, - secretamente ridículo, - compunha o quadro literariamente perfeito. - Clara imperfeição de Clara! - As meninas escondem bustos caroçosos. Os meninos engolem um trovão. Perda de elasticidade das fibras metabólicas estampadas no claro rosto, assim como, a brancura serena e involuntária da sua fronte sentenciam Tia Clara a dedicar maior e depois total atenção aos deveres da idade. Dura Pena! -"Deus também, aje sempre de má fé. Sempre e sempre a esconder suas segundas intenções". - Palavras claras!
Improdutividade cansativa. Funções alteradas pela ausência de hormônios. Rugas. Sonolência. Osteítes. Perdas musculares. Ostracismo. Lembranças.
Temporárias inconveniências? Não! Crises de irreverência. - Palavras não claras!
Dias houveram em que nos dividíamos entre o choro melancólico por não desfrutarmos da paz silenciosa necessária á chegada do sono e o riso disfarçado pelo repetido movimento mandibular e o som esférico emitido por Tia Clara. Soava como uma espécie de relaxamento vocal ou um daqueles estéreis e bem-humorados caprichos tão seus. O certo é que aquele -humm ã..., humm ã..., humm ã... - ativava a todos nós. Visitávamos vizinhos, revíamos as plantações do quintal, só não nos queixávamos, isso prolongaria o nosso mau-estar auditivo.
"O silêncio imposto acalenta o físico deteriorando a alma". - Palavras claras!
Noutros dias Tia Clara tornava-se dócil como nos tempos em que tomava parte nas nossas brincadeiras. Num desses dias confidenciou-me: - quando atingimos uma certa idade parece que o mundo é outro mundo. O que percebíamos com estúpida beleza vai tornando-se feio e mais feio e de tão feio atinge a mediocridade e o ridículo. As coisas, os lugares, os afazeres, as pessoas, os seus gestos, as suas ações, carecem da nossa compreensão e boa vontade para suportá-las e até da nossa natural hipocrisia para creditá-las à vida e às suas leis naturais. O natural que desmorona, que nos torna insuportáveis nos dizeres, que desfigura os nossos contornos e que nos torna ridículos pelos conhecimentos adquiridos pela observação, a experiência.
- "Somos repulsivos interna e externamente e só a experiência é capaz de enxergar".
- Palavras claras!
O barulho da água que escorre da torneira aberta aguardando os últimos detalhes do barbear de três dias silencia o restante da casa. Silencia a rua. Silencia o mundo. O sinal dobrado póstumo do dia anterior enfastiou nossos ouvidos.
Detenho-me diante do curioso e extrovertido espelho a apontar-me a sordidez dos detalhes: rugas; olheiras; ulcerações faciais; tristeza no semblante. Penso: - Tudo que vi hoje estava diferente. Pessoas tristes cujas faces intrigantes não inspiraram confiança; objetos, todos sujeitos a restaurações; sentimentos vulneráveis. E concluo a contemplação numa refleção dúbia: já vejo com os olhos de Tia Clara?
- Pensares obscuros!
Assis Costa
O mundo com seus arranjos e desarranjos, tudo é magnífico, - secretamente ridículo, - compunha o quadro literariamente perfeito. - Clara imperfeição de Clara! - As meninas escondem bustos caroçosos. Os meninos engolem um trovão. Perda de elasticidade das fibras metabólicas estampadas no claro rosto, assim como, a brancura serena e involuntária da sua fronte sentenciam Tia Clara a dedicar maior e depois total atenção aos deveres da idade. Dura Pena! -"Deus também, aje sempre de má fé. Sempre e sempre a esconder suas segundas intenções". - Palavras claras!
Improdutividade cansativa. Funções alteradas pela ausência de hormônios. Rugas. Sonolência. Osteítes. Perdas musculares. Ostracismo. Lembranças.
Temporárias inconveniências? Não! Crises de irreverência. - Palavras não claras!
Dias houveram em que nos dividíamos entre o choro melancólico por não desfrutarmos da paz silenciosa necessária á chegada do sono e o riso disfarçado pelo repetido movimento mandibular e o som esférico emitido por Tia Clara. Soava como uma espécie de relaxamento vocal ou um daqueles estéreis e bem-humorados caprichos tão seus. O certo é que aquele -humm ã..., humm ã..., humm ã... - ativava a todos nós. Visitávamos vizinhos, revíamos as plantações do quintal, só não nos queixávamos, isso prolongaria o nosso mau-estar auditivo.
"O silêncio imposto acalenta o físico deteriorando a alma". - Palavras claras!
Noutros dias Tia Clara tornava-se dócil como nos tempos em que tomava parte nas nossas brincadeiras. Num desses dias confidenciou-me: - quando atingimos uma certa idade parece que o mundo é outro mundo. O que percebíamos com estúpida beleza vai tornando-se feio e mais feio e de tão feio atinge a mediocridade e o ridículo. As coisas, os lugares, os afazeres, as pessoas, os seus gestos, as suas ações, carecem da nossa compreensão e boa vontade para suportá-las e até da nossa natural hipocrisia para creditá-las à vida e às suas leis naturais. O natural que desmorona, que nos torna insuportáveis nos dizeres, que desfigura os nossos contornos e que nos torna ridículos pelos conhecimentos adquiridos pela observação, a experiência.
- "Somos repulsivos interna e externamente e só a experiência é capaz de enxergar".
- Palavras claras!
O barulho da água que escorre da torneira aberta aguardando os últimos detalhes do barbear de três dias silencia o restante da casa. Silencia a rua. Silencia o mundo. O sinal dobrado póstumo do dia anterior enfastiou nossos ouvidos.
Detenho-me diante do curioso e extrovertido espelho a apontar-me a sordidez dos detalhes: rugas; olheiras; ulcerações faciais; tristeza no semblante. Penso: - Tudo que vi hoje estava diferente. Pessoas tristes cujas faces intrigantes não inspiraram confiança; objetos, todos sujeitos a restaurações; sentimentos vulneráveis. E concluo a contemplação numa refleção dúbia: já vejo com os olhos de Tia Clara?
- Pensares obscuros!
Assis Costa
domingo, 1 de janeiro de 2012
Claras Imperfeições
O tempo não levou tudo, algo sobrou: as idéias mirabolantes de Tia Clara e as suas claras imperfeições."As meninas escondem bustos caroçosos. Os meninos engolem um trovão. Perda da elasticidade das fibras metabólicas estampadas no claro rosto, assim como, a brancura serena e involuntária da sua fronte sentenciam Tia Clara a dedicar-se maior e depois total atenção aos deveres da idade. Dura pena!"
E as previsões de uma sábia e clara Tia sobre o silêncio: "se não interfere é para não modificar o natural. Um dia ele dirá isso..."
Assis Costa
E as previsões de uma sábia e clara Tia sobre o silêncio: "se não interfere é para não modificar o natural. Um dia ele dirá isso..."
Assis Costa
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